terça-feira, 30 de agosto de 2011

A brutalidade da fome urbana no Quênia: A história de Alice

Elizabeth Wright (Concern Worldwide – www.concernusa.org) explica como a fome afetou os moradores de Mukuru, favela de Nairóbi, Quênia, e compartilha a história devastadora de Alice, que se prostituiu.

A favela Mukuru em Nairobi tem uma população estimada de 200.000 pessoas. Os preços altos estão tornando os  alimentos inacessíveis para a população.


Como tem sido largamente noticiado em todo o planeta, a pior crise humanitária do mundo está assolando o leste da África. De acordo com o relatório “Food Price Watch” (ou “Painel de preços de alimentos”) do Banco Mundial, divulgado na semana passada, os preços dos cereais atingiram níveis recorde no Quênia, Etiópia e Somália, e o suprimento de grãos básicos nestas áreas é muito baixo. A seca mais severa em seis décadas – combinada com as alarmantes altas em alimentos básicos e no preço do combustível – criou um “triângulo de fome”, que tem deixado mais de 12 milhões de pessoas sem recursos adequados para se alimentarem.

No Quênia, 3,5 milhões de pessoas estão em estado de extrema fome. De acordo com dados recentes, 385.000 crianças e 90.000 mulheres grávidas e lactantes estão desnutridas.

Agnes Duta e sua filha Blessing de 2 anos de idade vivem na favela Korogocho com menos de 50 Shillings por dia (US$ 0,50). Agnes só consegue dar a sua filha uma ração de arroz por dia, e Blessing está com uma infecção respiratória aguda, provavelmente em conseqüência da fome.
 


Comida fora de alcance para a população pobre das cidades 

A população urbana e pobre do Quênia está sentindo a parte dura da seca. Em Nairóbi, estima-se que dois terços da população vivem em favelas e gasta entre 40 e 60 por cento de sua renda diária com comida.

Os moradores da favela têm ainda que pagar por proteção, uso de latrinas, água, querosene para cozinha, aquecimento e iluminação, transporte, taxas escolares e assistência médica. Devido à seca, há menos comida disponível nos mercados, e os preços de alimentos básicos como milho aumentaram mais de 200 por cento em alguns mercados das favelas de Nairóbi nos últimos 5 meses. Com uma renda familiar média de 170 Shillings quenianos por dia (US$ 1,70), eles não têm o suficiente para alimentação e necessidades básicas.

Então como eles sobrevivem? Pessoas como Alice Duta estão sendo forçadas a fazer o que for preciso, inclusive pondo em risco sua segurança para assegurar que seus filhos sejam alimentados.

Alice aluga um quarto na favela Korogocho em Nairóbi por 800 Shillings quenianos (US$ 8) por mês. Ela é uma mãe solteira de 3 filhos. Até pouco tempo, ganhava em média 100 Shillings por dia lavando roupas para fora, mas o trabalho era muito inconstante. Há cerca de 6 meses Alice conseguia comprar uma sacola de 1 kg de farinha de milho (o suficiente para alimentar toda a família por dois dias) no mercado por 50 Shillings. “Mas os preços aumentaram tanto que eu não conseguia mais o suficiente lavando roupas para comprar comida. Na maior parte do tempo, eu não tinha trabalho. Eu precisava alimentar minhas crianças”, diz Alice. “Eles tinham que comer”.

Escolhas de vida ou morte 

A mãe de Alice faleceu e seu pai vive longe, em uma área rural pobre. Ela não tem marido ou outro mebro da família para ajudá-la. Ficou dias sem comer e atrasou muito o aluguel. O senhorio começou a vir a sua casa todos os dias cobrando seu dinheiro. Alice fez o que sentiu que era uma escolha de vida ou morte. Recorreu à prostituição para alimentar suas crianças. “Eu não queria fazer isso. Mas meus filhos precisavam comer”, ela diz.

A maioria das noites Alice recebe apenas 50 Shillings. Sai de casa tarde, leva suas crianças até a casa de um vizinho e retorna de manhã para acordá-los. Às vezes é espancada e homens se recusam a pagá-la. Alguns de seus vizinhos a odeiam por se prostituir, ela diz.

Bessie Nikhozi e Edith Yabula, do Concern Worldwide Program, que trabalham para um parceiro local apoiado pelo Concern dizem que mais e mais pessoas nas favelas estão recorrendo a formas negativas de enfrentamento da crise como prostituição, venda de bens, trabalho infantil e estão tirando suas crianças da escola porque não podem arcar com as taxas.

Concern Worldwide lançou dois programas de emergência (nutricional e de subsistência) nas favelas de Nairobi para dar apoio a famílias pobres na crise corrente e assegurar tratamento para crianças mal nutridas. Os programas emergenciais têm como meta atender mais de 20.000 pessoas vulneráveis com transferências mensais de recursos via M-PESA, um serviço de transferência de dinheiro. Estes envios de recursos vão dar a mães vulneráveis como Alice uma tábua de salvação que elas não teriam de outra forma.

Perguntada sobre o que ela pensa que poderia melhorar sua vida significativamente, Alice diz: “Minha felicidade são meus filhos. Eu gostaria de vê-los felizes e saudáveis”.

-Elizabeth Wright, Concern Worldwide


Por One Partners (Parceiros da ONE)
Versão em Português: Silvia Pazin

3 comentários:

  1. Temos que fazer algo !! As pessoas não podem continuar tendo que fazer estas escolhas !!

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  2. É inaceitável esse tipo de situação! Podemos, sim, fazer algo! É só assinar as petições da ONE. Não há doações, apenas pressão em cima dos governantes que tem verba suficiente para resolver esta terrível crise.

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  3. Quantas 'Alices' não existem naquele território? Aliás, em todos os lugares do mundo. Inclusive, aqui no Brasil.

    E o instinto de sobrevivência as colocam em risco. No caso de Alice, a sobrevivência dos filhos. A ajuda emergencial é enviada, mas essas pessoas precisam ter o próprio sustento. De forma digna. E é essa pressão política que os cidadãos de bem devem fazer frente às autoridades.

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