quinta-feira, 26 de julho de 2012

Momentos Mandela: Minhas observações sobre a liderança africana, paz e desenvolvimento

Semhar Araia, fundadora e diretora executiva da Rede Diáspora de Mulheres Africanas (link em inglês Diaspora African Women’s Network), reflete sobre algumas das lições que aprendeu com Nelson Mandela ao longo dos anos.

“Sua liberdade e a minha não podem ser separadas. Eu voltarei.” - Nelson Mandela

De vez em quando, é dada ao mundo a oportunidade de testemunhar as verdades fundamentais da vida através do percurso de uma única pessoa. De tempos em tempos, as ações dessa pessoa, suas palavras e atos e sua busca por uma maior existência deixa um legado duradouro em sua comunidade e em seus colegas compatriotas. No mais raro das vezes, a busca dessa pessoa por paz, justiça e igualdade ressoam tão profundamente que é carregada nos corações e mentes de cada homem, mulher e criança na Terra.


Isso é o que Nelson Mandela significa pra mim.

Para muitos africanos na diáspora, a vida de Madiba é uma fonte infinita de aulas e momentos de aprendizado. Seu lugar na história afirma o nosso lugar no mundo como cidadãos globais negros africanos, líderes e pacificadores. Ele é o exemplo definitivo de governança africana, boa liderança e diplomacia.

Eu sou grata por ter vivenciado, como uma jovem adulta, a transição do apartheid na África do Sul a um jovem governo democrático. Lembro-me de ter ido às manifestações anti-apartheid com minha mãe em meados dos anos 1980. Foi o primeiro ensinamento que me lembro ao ver a responsabilidade coletiva que tivemos na diáspora para lutar pela justiça, liberdade e paz na África.

Por causa de Nelson Mandela, aprendi sobre direitos humanos a partir da perspectiva africana. Foi mais profundo do que a independência de nossos colonizadores, foi sobre o direito de se mover, associar, pensar, falar e contribuir livremente para o bem estar de seu país de modo que se possa ter uma vida melhor. Para mim a vida de Mandela representa a essência da liberdade da África – o direito de todas as pessoas serem ouvidas, organizar, falar, discordar, viver em segurança, paz e justiça.

"Coragem não é a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas quem vence esse medo. "– Nelson Mandela

Nelson Mandela nos lembra da capacidade da África de perdoar e aceitar o outro, transformar a luta contra o inimigo em uma parceria para a coexistência. Sua mensagem nos leva a olhar o interior e nos esforçarmos para sermos melhores de modo que possamos verdadeiramente servir aos outros. Mais importante ele simboliza a sabedoria e a vontade que os líderes devem ter para aceitarem a mudança transformadora que cada pessoa é obrigada a passar.

Muitas vezes, muitos de nós sabemos o que está por vir para a África e seu povo. Nós pensamos sobre as fortunas do continente e os infortúnios, projetando maneiras de criar um melhor caminho cheio de promessa e progresso para todos. Finalmente, chegamos a pergunta de 64 milhões de dólares – o que Mandela fez? Como podemos aprender com ele? Mais importante: o que podemos fazer para desenvolver mais líderes como ele?

Eu chamo essas perguntas de meus “Momentos Mandela”, esses momentos inegáveis, inabaláveis de relação e reflexão onde nós revisamos a história da África do Sul e tentamos tirar lições do estilo humilde de visão e liderança de Mandela. Independentemente da causa, país, sistema de valor ou familiaridade com a África, praticamente o desafio de qualquer um pode ser resolvido de alguma forma, olhando para trás para ver como Mandela enfrentou um desafio similar.


Momentos Mandela para a África

A vida de Mandela, todos os 94 anos dele, refletem um período notável de uma transição após a outra. Sessenta anos de compromisso com a justiça e a paz assumiram várias formas. De um organizador que se tornou prisioneiro, para um líder político que se tornou o primeiro presidente negro, a um antigo líder e diplomata experiente, sua visão de sociedade livre, justa e igualitária nunca vacilou. Para a África há muitos Momentos Mandela onde podemos aprender.

"A paz é a maior arma para o desenvolvimento que qualquer pessoa pode ter." – Nelson Mandela

Na Paz e Resolução de Conflito: Mandela é a prova de que a paz é um processo contínuo que existe muito antes, durante e após os acordos serem assinados e prêmios serem concedidos. É a busca comum e verdadeira de um mundo mais igualitário, justo, tolerante e seguro com o outro.

A paz sobrevive quando as pessoas estão dispostas a levá-la e cultivá-la com o inimigo, independente dos obstáculos. Mandela nos mostrou que a paz não pode vir de influência ou forças externas. Ela deve vir do indivíduo, quando o coração e a mente estão desprovidos de interesses pessoais, queixas ou egos e totalmente comprometido com a paz e a coexistência. Após este compromisso pessoal, Mandela nos ensinou que a paz é alcançada e mantida quando os inimigos escolhem a convivência sobre a guerra ou insegurança. Quando eles escolhem o perdão e a reconciliação, juntamente com pedidos de justiça.

“Uma das coisas que aprendi quando estava negociando era que até eu me mudar, eu não poderia mudar os outros.” – Nelson Mandela

Em Liderança e Governança: Sabemos ao assistir muitos anos de Mandela no ANC, em sua subsequente prisão e, finalmente, como o primeiro presidente negro do país, que a liderança e a boa governança devem existir em todos os níveis para a mudança sistêmica.

A liderança deve ir além da definição de uma pessoa ou visão partidária. A boa vontade de Mandela em trabalhar além das linhas partidárias e sentar-se com o inimigo nos dias pós-apartheid era extremamente arriscada, humana e tolerante. Muitos sentiram que ele tinha abandonado a luta e desistido. Suas ações mostraram que a liderança real é colaborativa, coletiva e abrangente – exatamente o oposto de autoridade, abordagens corruptas ou inflexíveis. É ter foco firme no objetivo comum com perdão, flexibilidade, inclusão e visão para se ajustar às condições humanas.


Em Desenvolvimento: Para os negros sul-africanos, o apartheid representou mais que uma forma institucionalizada de racismo e subjugação. O apartheid era também uma vida de pobreza sistêmica, guerra econômica, negação dos direitos humanos básicos e sofrimento em massa de milhões de negros africanos.

Mandela viu o nexo entre o direito das pessoas para reunir, organizar e gozar plenamente os direitos políticos e econômicos. A prosperidade e a liberdade de um grupo dependem da prosperidade e liberdade do outro. Ele sabia que o governo não poderia melhorar a vida do distrito, ou criar empregos, ou buscar o desenvolvimento nacional em longo prazo, se não reconhecer o direito dos sindicatos de trabalhadores negros, estudantes, mulheres e outros grupos marginalizados para reunir, participar e se engajar com o governo. O desenvolvimento, a prosperidade e a proteção de todos os direitos humanos estavam interligados.


No Poder: Em minha opinião, o maior ato de Mandela como presidente foi o dia que ele optou por deixar. Não porque ele deveria ter se afastado, mas porque nesse gesto ele demonstrou tal visão e sabedoria, que injetou mais fé no processo político do país e do sistema, do que na capacidade de um homem para liderar. Depois de um mandato, apenas cinco anos, Mandela abriu caminho para seus sucessores e focou em servir seu país pela vida cívica. Ele sabia que a nova vida da África do Sul como um país livre necessitava de respirar e crescer. Ele precisava de uma nova vida com mais foco na próxima geração de líderes.

Há muitos ‘Momentos Mandela’ para aprender, mas neste Dia Mandela eu mantenho isso como, talvez, as maiores lições que ele me ensinou. O mundo é um lugar muito mais seguro, amoroso e tolerante por causa de Madiba. Somos eternamente gratos.

Feliz Aniversário, Madiba!
18 de julho, 2012.

Semhar Araia é a fundadora e diretora executiva da Rede Diáspora de Mulheres Africanas. Ela já trabalhou para The Elders, uma organização fundada por Nelson Mandela, Arcebispo Desmond Tutu, Graca Machel, Kofi Annan e dez outros líderes mundiais, entre 2007 e 2008.
Por Semhar Araia
Versão em Português: Mônica Brito

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